sexta-feira, 31 de julho de 2015

Medos Maternos


Medos Maternos

A maternidade traz consigo alguns medos que quase ninguém tem coragem de verbalizar. Medos secretos. Guardados nos cantos mais escuros do nosso coração. Eu experimentei vários deles e vou contar aqui! Vou contar porque se eu soubesse que outras mães sentiam também, talvez eu não tivesse sofrido tanto.

Tive meu primeiro filho solteira, aos vinte anos, cursando o 4º semestre de Direito. Primeiro medo foi o do próprio exame. E se desse positivo? Deu. Engraçado que no dia fui tomar sorvete com o Tito, um grande amigo, e falei pra ele assim:

- Se eu adivinhar o peso, é porque vai dar positivo. E advinha? Acertei! Gelei! Cacete! E agora?

Aí veio medo de contar para os meus pais, da família, dos julgamentos, de não conseguir criar, de não conseguir sustentar, de como faria para estudar e de tudo que estava por vir. Eu tinha uma necessidade de dizer sempre, quase que como um mantra, que ainda namorava o pai dele e que ele era muito presente, e de fato era e ainda é.

Ah! E tinha até o medo do parto, que melhorou um pouco o dia que a Tia Carmelita falou pra mim assim:

- Filha, tá aí, vai ter que sair, paciência!

Parei de ter medo do inevitável. Viu como verbalizar pode ser a solução?

Na 37ª semana, a ecografia detectou uma redução no líquido amniótico, tive uma equivocada indicação para cesárea. Mais um medo. Ele nasceu muito bem. Era uma noite de sábado, a equipe falava da novela O Rei do Gado, tão absurdo. Um momento tão ímpar na minha vida e na vida dele e nenhum respeito, nenhuma conexão emocional. Mas mesmo assim foi uma emoção incrível ouvir seu choro, realmente indescritível. Eu falei com ele encostado no meu rosto, quentinho... ele parou de chorar e ficamos ali juntinhos.

Outra coisa que mãe nenhuma fala, achei ele feio. Estranho. Ele estava ali na minha barriga me fazendo companhia por quase 9 meses, mas seu rosto não me era familiar, ele era um estranho. Pensei logo, meu Deus, sou a única mãe no mundo que acha seu filho feio! Mas não, eu não sou a única a pensar isso.

Tudo correu bem até a alta hospitalar. Aos doze dias de nascido, ele foi diagnosticado com meningite neonatal. Medo da morte, da sequela, do hospital. Graças a Deus, ele ficou muito bem. Mas sofri mais uma vez com a desumanizada medicina. Primeiro, foi uma peregrinação por hospitais até vir o diagnóstico correto que, diga-se de passagem, foi dado por telefone pelo pediatra que até hoje nos atende, e depois ficar por 15 dias em um hospital ouvindo grosserias de médicos.

A segunda gravidez veio 11 anos depois, dessa vez planejada. Já no resultado um medo: será que eu seria capaz de amá-la como eu amava o Bruno? Passei os nove meses sofrendo com isso. Será que nenhuma mãe de mais de um filho não podia ter me dito isso? Poxa vida!

A gravidez foi difícil, tive sangramentos e dores, foram quase os nove meses de repouso. Medo de perde-la, de ter algum problema de saúde...

Nasceu. Imediatamente, ao ouvir seu choro tive certeza que uma mãe tem a plena capacidade de amar em igual intensidade quantos filhos tiver. Dessa vez não estranhei tanto o rosto dela, eu já sabia que seria uma cara inédita e me preparei pra isso, mas também a achei feia!

Ao contrário do que foi com o Bruno, a amamentação nos primeiros dias foi difícil. Achava que já sabia tudo e a pega errada feriu minha mama. Medo de não amamentar. Pânico. Meu marido sugeriu tirar o leite e darmos em um copinho. Para mim uma ofensa! Eu daria conta! Ele a colocava no meu peito enquanto minha irmã segurava minhas costas. Quanta dor! Até a primeira consulta com o pediatra e ele corrigir a pega, que alívio! O mesmo santo do diagnóstico do Bruno.

Seis anos mais tarde, já tinha desistido do terceiro, durante uma negociação para a compra da nossa casa, desconfiei da gravidez. Tonturas e enjoos bem familiares apareceram. Escondi por dois dias do marido, achei que influenciaria nas tratativas da casa, já que a que morávamos não nos caberia mais. Quando ele me ligou avisando que iríamos ao cartório assinar a escritura contei: acho que estou grávida. Era véspera do aniversário de 16 anos do meu mais velho.

Os medos agora eram outros: medo de ter filho aos 37 anos, da reação da Maria Elisa, da saúde do bebê. Esse foi o principal ponto! Cresci ouvindo dizer que ser mãe depois dos 35 era um perigo! Ouvi tanto, mas tanto, que fiz uma jura de nunca ter filho depois dos 35! Aí vem Deus e mostra que quem manda é Ele!

Cuidei da alimentação, evitei fadigas e até de dirigir! Queria o sonhado parto natural, mas o sistema me venceu. Ele nasceu numa segunda-feira, havia algo em torno de 15 dias sem dormir com contrações ritmadas, nenhuma dilatação. Não tive medo da cirurgia. Ele nasceu e tomada pelo medo não o ouvi chorar. Vendo o filme depois vi que ele chorou sim! Acho até graça quando lembro disso! Como assim não ouvi aquele choro tão claro? Fui tomada de terror, pedia a Elias que ficasse com ele, vigiasse, acompanhasse. Tudo bobagem! Ele nasceu ótimo e enorme.

Ainda no centro cirúrgico, a primeira tentativa de impedir a amamentação. Exigiram meus exames de HIV para me entregar o bebê para mamar. Ora! Tivessem pedido antes da cirurgia! Esperamos por 3 horas no hospital antes de irmos pro centro cirúrgico! Ainda bem que tínhamos todos conosco e ele mamou ainda na primeira hora. Já no quarto, a pediatra no plantão me avisa ter prescrito uma fórmula infantil porque ele era muito grande e precisaria de complemento. Já avisei logo de forma incisiva e definitiva que não via necessidade e que não daria. Fui inclusive ameaçada de não ter alta, o que nada que um aviso sutil que sou advogada não tenha resolvido.  

As crianças foram conhecê-lo no hospital. Foi tudo perfeito e emocionante! Nunca vou esquecer pela primeira vez os três reunidos. Mas essa calmaria me trazia medo. Como poderia tudo ir tão bem? Com os outros dois eu tive questões importantes na gravidez e nos primeiros dias com Samuel tudo era calmo. O medo só aumentava. Uma dose de insegurança e paranoia mesmo e até mesmo culpa! Ninguém teria uma vida tão perfeita! Casa nova, filhos felizes e saudáveis, emprego razoável, saúde em dia... bobagem! Todos merecem essa janela de felicidade na vida.

Olhando de longe, vejo que aprendi que todos precisam de uma fase de vida de comercial de margarina e que tudo bem ter medo. Todo mundo tem, só que a maioria não conta nem pro espelho, a culpa e o medo não deixam.

Aos três meses do Samuel veio o diagnóstico de alergia alimentar múltipla: leite de vaca, soja e ovo. Medo. Muito medo. Meses de dieta para seguir a amamentação e aos 17 meses do Samuel a alergista sugeriu iniciarmos os testes de reintrodução. O medo foi tanto que tive quase 30 dias de diarreia, tive de tratar com probiótico. Quatro meses depois a confirmação de que ele havia adquirido a tolerância oral pra ingestão do leite de vaca.

E os medos seguem. Uns acabam, outros são substituídos. Cada fase tem seu medo, seu risco. Medo de não ir bem na escola, medo de que eles não sejam aceitos e respeitados, medo da violência, medo da vida. A maternidade é assim, repleta de inseguranças e medos. O medo é normal, não nos torna mães piores. Falar sobre isso nos ajuda, faz ver que não estamos sozinhas e que muitos desses medos são bobagens, são exatamente como aquela sombra no quarto escuro que quando acendemos a luz temos o alívio de ver que não é um fantasma, mas é só um vestido fora do lugar.

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