sábado, 26 de novembro de 2016

Um Réquiem pra Loque


Loque se foi e não estávamos preparados. Tentamos nos preparar, mas não deu certo. Mesmo tendo a veterinária avisado, há dois anos, que ele teria 6 meses de vida, foi de repente. Foi um susto. E ficou um buraco enorme.


Quando se sofre só, é mais fácil. Duro é ver o olhar dos seus filhos ao receber a notícia, como dizem por aí, de que aconteceu o pior. Sim, é só um cachorro. E aqui jamais os humanizamos. Cão é cão e pessoa é pessoa e cão mora no coração da pessoa. 



Ele não foi o primeiro a partir. Teve a Lilica, o Lino, o Hulk e a Lola (filha do Loque). Mas foi o primeiro a chegar. Antes até do Zeca. A gente nem era casado e já tinha a guarda do "Floque". Meu irmão era tutor e só tinha cães cujos nomes iniciassem com a letra L. Pronto, virou Loque, que sempre foi o culpado pelos jornais rasgados e só inocentado quando finalmente se mudou pra nossa casa e os jornais seguiram amanhecendo rasgados lá no meu irmão.


Ele tinha um fiel companheiro, o Lino. Eles mataram muitas galinhas, invadiram muitos galinheiros. Eram massacres quase semestrais, uma vacilada nossa e pronto! Eram penas para todos os lados. Já nos últimos anos, soltávamos ele com galinheiro aberto e nem latir pras pobrezinhas ele latia. Levantava-se, agora, para comer o milho com elas. Ele adorava! Lino ficaria decepcionado, ainda bem que morreu antes.


Loque era grandão. Seu rabo doía nas nossas pernas! Me derrubaria fácil se pulasse em mim. Jamais pulou. Quando Elias o autorizava, ele subia no seu peito. Mas só com a concordância. Respeitava, cuidava. Abaixava-se perto das crianças.

Jogou muita bola com o Bruno, corria, pentelhava. 


Só uma coisa o fazia entrar em casa sem ser chamado: fogos de artifício! Pobrezinho! Natal, ano-novo e finais de campeonato eram pavorosos pra ele. Um sofrimento. Tremia de medo.


Foi ficando lento, foi ficando meio surdo, ficou manco e ranzinza. Talvez pela dor que sentia. Quando Samuel o apertava muito, rosnava de leve como que avisando que chegara ao seu limite.


Há poucos dias, ouvimos latidos fortes no quintal, eu e Maria corremos pra ver. Samuel abriu o canil do meio e entrou (são três). Foi brincar com a Capitu que estava no outro canil, pela grade mesmo, sem soltá-la.



O Loque, bravamente, com suas patas capengas, entrou entre Samuel e a grade da Capitu. Rosnava pra ela e afastava o Samuel delicadamente com seu corpo. Maria olhou pra mim, já com as lágrimas caindo e disse:


- Vou sentir muita falta dele, Mãe.

- Eu também filha. 



Quando mudamos Loque e Lino passaram uma noite na casa velha. O galinheiro não estava pronto. Ficamos (nos sentindo culpados) imaginando o diálogo dos dois:


"- Viu, Loque! Eu sempre falei para não criar apego com esses humanos! Fomos abandonados!- falou Lino.

-Calma, amigo! - responde Loque abanando o rabo despretenciosamente- eles virão! 

O dia amanheceu. Quando Elias entrou no quintal Loque se vira pro mau-humorado pessimista do Lino e diz:

- Eu sabia!" 


E Loque veio no carro no Bruno lambendo a orelha do Elias até chegar na casa nova" 


Elias tinha certeza que Loque falava. Presenciei várias vezes eles rolando na grama juntos e Elias dizendo:

- Fala, meu fi, papai sabe que você fala! 


Duro! Duro ouvir Samuel, com apenas três anos e meio, pedir uma varinha mágica pra trazê-lo de volta e dizer que no coração dele sempre terá o Loquinho, enquanto abraçava um porta-retrato com uma foto do Loque com ele e Maria Elisa, num abraço triplo. Duro ouvir todos chorando de saudade. 


Não. Ele não foi um membro da família. Foi um grande amigo. Um guardião. Que foi cão e agora foi ser anjo. Nosso "canjo" da guarda! 




Escrito à quatro mãos. Duas minhas e duas de Elias.