segunda-feira, 14 de abril de 2014

Sobre a alergia alimentar do Samuel

                 Em agosto do ano passado (2013), o nosso bebê, de então 03 meses, foi diagnosticado APLV (Alérgico à proteína do leite de vaca) e também alérgico à proteína de soja. Começou ali uma grande mudança em nossa vida. Uma odisseia para descobrir e aprender a lidar com a nova realidade.  
                Tento escrever aqui, tudo que gostaríamos de ter ouvido quando descobrimos a tal alergia. O fato é que há muita informação errada por aí e poucas pessoas conhecem o problema ou o levam a sério. Se logo de cara eu tivesse acreditado no que me disseram, não teria sofrido tanto. Então, quem sabe isso aqui ajude alguém? 
                Samuel era muito tranquilo. Foi muito estranho quando começou ter alterações de comportamento. Já não dormia bem, tinha manchas vermelhas pelo corpo, baixo ganho de peso, cólicas, muco e sangue no cocô e chorava muito. As manchas vermelhas eram principalmente na barriga e algumas vezes elas desapareciam muito rápido(minutos) e em outras duravam até três semanas. Ele ficava tão irritado que chegou a passar três dias inteiros sem dormir. Chegamos a pensar em pico de desenvolvimento, mas durou além do razoável.  
Na primeira consulta depois dos sintomas, o pediatra já suspeitou da APLV e nos explicou que: 
  1. na maioria dos casos, a partir do tratamento de exclusão dos alérgenos da dieta, a alergia é transitória e acontece a cura; 
  1. a amamentação é fundamental para esse processo; 
  1. que o exame laboratorial não era eficaz e que o teste de exclusão era o melhor caminho; 
  1. a soja NÃO é substituta do leite de vaca. Em 50% dos casos de APLV, ela causa os mesmos sintomas; 
  1. a alergia e à proteína e não à lactose. Sem lactose não é sinônimo de sem leite ou sem proteína.  
                       
                  Estávamos em aleitamento materno exclusivo-AME, então eu que iniciei a dieta. Não posso deixar de dizer que em 99% dos casos que conhecemos, os médicos não acertam de primeira. Conhecemos um casal que teve que vender bens para tratar o filho, outra que passou 1 ano e meio tratando da doença errada e por aí vai... Foi uma grande graça esse diagnóstico precoce. Deus tem cuidado de nós.  
Excluí da minha alimentação o que era óbvio.  Leite de vaca, manteiga, margarina, sorvete, queijo, iogurte, bolos e lia alguns rótulos. Achava que não comia nada com soja.  No mesmo mês foi aniversário do meu outro filho. Comi cachorro-quente e linguiça de frango no mesmo dia. Logo à noite Samuel irritado e com cólicas. No dia seguinte, sangue nas fezes e a barriga toda manchada. Corri pra ler os rótulos, numa clara inversão de ordem... a proteína da soja estava lá na salsicha e na linguiça de frango, o que fez eu me sentir a pior mãe do mundo! Foi a primeira vez que tomou o antialérgico.  
Seguimos os 15 dias de teste. Agora lendo os rótulos antes de comer (uau!).  Achávamos que isso bastava.  
Voltamos ao pediatra e, ufa, ganhou peso! Era o tal leite de vaca e a soja. Seguimos no teste. O pediatra alertou para os traços de leite e soja, pediu pra cuidar. Não dei muita bola. Saí de lá tranquila. Já sabemos o problema, agora é só tratar. Retorno marcado para 15 dias.  
              Segui a vida.  Liguei pros amigos que sabia terem filhos na mesma condição, entrei em grupos no Facebook sobre o tema, comia em restaurantes, pão francês de padaria, na casa de parentes e amigostudo perguntando:  
- Tem leite?  E soja? 
Pra quem conhece de perto, essa pergunta é uma grande piada! Das que nos fazem rir alto 
Chegado o dia do retorno ao médico: a hora da balança! Só 100 gramas. Onde eu havia errado? Todos abatidos no consultório. Achava que era exagero quando algumas mães de APLV falavam em trocar vasilhas plásticas, madeira e teflon e logo pensei que seria essa a falha! Bingo!  Perguntei pro pediatra e ele me alertou que era importante. Na alergia, só um pouquinho pode fazer mal sim! Outra consulta em 15 dias.  
Agora o negócio ficou sério! Troquei TUDO de plástico, madeira, tefloninclusive liquidificador. Panelas de alumínio e inox foram muito bem lavadas com buchas novas que em seguida foram descartadas. Borrachas da panela de pressão também substituídas. Ótimo! Casa livre de leite e de soja 
Ainda assim, volta e meia os sintomas estavam lá. Fiz um diário de alimentação. Anotava tudo que comia com as respectivas marcas e se havia sintomas ou não no Sam. Várias vezes sentava com o diário aberto na frente e perdida! Muitas vezes chorava...Onde teria errado? Teriam outras restrições? Foram nesses dias de penúria que descobrir que: 
  1. dieta “mais ou menos” é igual a “zero dieta”; 
  1. a lei brasileira não obriga rotular alérgenos e nem seus traços; 
  1. Soja não é saudável e a maioria das pessoas que são alérgicas ao leite são à soja. Algo em torno de 50%; 
  1. frango pode ter tem soja; 
  1. TODOS os produtos industrializados podem ter traços de leite ou soja, TODOS mesmo! Enlatados, flocos de milho, farinha de trigo, pães, embutidos, arroz, feijão, pipoca, molhos em geral, temperos prontos, açúcar, café, bacon, giz de cera, balão de festa, cosméticos, produtos de limpeza...(Aí você pensa: “Não como isso!” e eu respondo: “E o bebê engatinha onde?); 
  1. padaria não dá nem pra entrar! Mesmo que não tenha leite e soja na receita, o pegador e as máquinas costumam ser compartilhadas, ou você acha que com a padoca lotada a atendente vai trocar de pegador pra pegar a rosca de leite condensado e o pão? 
  1. carne moída de açougue é um perigo, eles moem de tudo lá, inclusive embutidos, logo a soja e o leite estão na máquina; 
  1. salsicha, bacon, calabresa, presunto.. .tudo tem leite e soja. (Sim, você leu leite na salsicha!); 
  1. nem o churrasco rola. A faca que corta o queijo e a linguiça corta a carne! A tábua que deita a carne deita o frango (que tem soja, lembra?); 
  1. remédios tem leite; 
  1. sabonetexampo, condicionador, creme de pele, lenço umedecido, pasta de dente, protetor solar... o leite e a soja também estão lá. (Aí você pensa de novo: “Eu não como condicionador!” e eu respondo Ah tá! Bebê coloca tudo na boca e sem contar que pode, ao enxaguar o cabelo, escorrer na boca!) 
  1. os serviços de atendimento ao consumidor são MUITO ruins. Quando demoram a responder ou titubeiam, melhor não arriscar; o risco não compensa; 
  1. trocar os utensílios de madeira, teflon e plástico é imprescindível. Não adie e troque tudo de uma vez (Mesmo que não tenha grana pra comprar tudo, compre o imprescindível e guarde ou dê o resto. NÃO USE!);  
  1. não! Não dá pra comer fora. O risco é grande. Até mesmo os copos têm traços, já que buchas e bom brill são retentores dos benditos; 
  1. álcool gel e água quente não eliminam as proteínas! Isso é pra matar bactérias. Proteínas somente se desnaturam em altíssimas temperaturas e saem com água e sabão. Portanto, em materiais porosos elas grudam(Não consigo deixar de pensar na cena do filme Monstros S/A onde o monstro é "contaminado" pela criança e sofre um monte... É mais ou menos assim, tipo radiação, né, Lu?). 
Nesta fase inicial ficamos muito sensibilizados e assustados com tudo. A solidariedade foi encontrada em um grupo do Facebook chamado Meu filho é alérgico a leite – MFAL(Erica, Andreia, Lays, Claudia, Lívia...mta gratidão!). Lá, os pais mantêm listas de produtos limpos, de profissionais, dicas de introdução alimentar, relatam curas e trocam experiência e muito apoio emocional.  
Incrível como há pais (homens) que não acreditam na necessidade de exclusão total ou na troca de utensílios! Eu diria que é chocante até! Nem sei o que dizer sobre eles ou pra eles. Acho que é um processo de negação, só pode! Talvez se tivesse oportunidade sugeriria que eles comessem algo de um vidro onde fora guardado veneno, daqueles que vem com um alerta que devem ser descartados, não podem ser reutilizados, sabe? E diria: - vai lá meu querido, manda ver! A questão é que o bebê não tem opção de escolher entre fazer a dieta bem, é vulnerável à condição dos pais, portanto devemos fazer o nosso melhor, ainda que erremos, mas nos esforçando para dar o nosso melhor. Graças a Deus, o meu entende tanto quanto eu. Aliás, sem isso a dieta é impossível.  
Falando em apoio emocional, sobre os relacionamentos pessoais, descobri que: 
1-     iguais vão entender sua condição; 
2-     maioria das pessoas sugere desmame, ainda que a ciência comprove que a amamentação acelera a cura; 
3-     outras insinuam que a sua dieta é para emagrecer; 
4-     alguns não entendem, mas respeitam; 
5-     é chato pra caramba explicar pela milionésima vez: a alergia é à proteína e não à lactose! Esse equívoco é grave pode atrapalhar a dieta de alguém; 
6-     você vai encontrar várias famílias que não cuidam dessas restrições, mas que também as crianças não curam e em geral vivem doentes (asmas, rinites, dermatites...); 
7-     maioria das pessoas vai achar que vocês são loucos, neuróticos, exagerados e chatos (mas quem convive com a falta de saúde do bebê é você, então pronto, né?!); 
8-     internet é uma grande aliada, trocar informações é mais que solidariedade, é sobrevivência 
Sobre a vida social descobri que: 
1-     sair só se for com as marmitas, abusando das frutas e assados. Lembrando que até os talheres, copos e pratos têm de ser os seus. Minha bolsa térmica me acompanha até no trabalho; 
2-     depois que seu marido e filhos comem na rua, para pegarem o bebê de novo, tem que lavar a mão e escovar os dentes (quem nunca teve a boca invadida pela mão de um bebê atire a primeira pedra!) 
3-     ficar com o bebê na mesa onde se comem coisas “sujas” é um risco, eles tem mais mãos que os polvos; 
4-     é péssimo ouvir elogios à comida que não se pode comer, portanto, comam calados! E os “tadinho”? Armaria! Nem em pensamento!)  
5-     é, o ideal é que você aprenda a cozinhar e seu marido também; (né, baby?!)   
6-     receber os amigos é uma ótima forma de diversão, é possível fazer uma festa limpa e gostosa.  
Sobre a dieta aprendi que: 
1-     há vida sem leite e soja,  
2-     essa vida pode ser gostosa; 
3-     máquina de pão (panificadora) é sensacional! 
4-     aprender a cozinhar pode ser divertido; 
5-     quase tudo pode-se fazer sem leite e soja; 
6-     tem de ter desprendimento, algumas vezes você vai errar e vai perder todos os ingredientes;  
7-     se ficar com fome é pior; 
8-     sendo você ou bebê em dieta é muito difícil controlar quando os outros membros da família consomem em casa alimentos com leite e soja (alérgenos), o ideal é a casa inteira esteja de dieta; 
9- que minha vida social girava em torno de uma mesa! (Meu cartão de crédito reduziu muito! Viva!!!) 
10- hoje peso o mesmo que quando tinha 20 anos, meus índices estão perfeitos e a saúde super em dia! 
Gente, antes que eu esqueça, sobre o comportamento e sintomas do bebê, nem tudo é culpa da alergia! Bebês têm virose, reação à vacina, dor de barriga, picada de inseto... (Né, Erica? Deus do céu!)
Sei que ainda vou errar um bocado, mas não dá pra desistir de aprender e de fazer da melhor forma!Toda dia há uma descoberta, uma novidade, um espanto! Hoje, após exatos 7 meses de dieta certa, FIRMES NA DECISÃO DE MANTE-LO MAMANDO NO PEITO, já podemos nos atrever a ajudar os que estão começando na luta. E esse é o propósito desse texto.  
Com certeza, nosso caminho seria menos árduo se a rotulação dos alérgenos fosse obrigatória e clara. Os rótulos dos cosméticos são em inglês! Uma aberração! Daí vem a importância da campanha Põe no Rótulo e qualquer outra que proponha a rotulação desses alérgenos seja adequada e fidedigna. Nós, pais de crianças APLV, temos obrigação moral e ética de abraçar essas campanhas com unhas e dentes para que atinjam o objetivo e aqueles que não têm filhos alérgicos, por solidariedade e prevenção, também devem fazê-lo! 
Assim, vamos seguindo por aqui, às vezes com muita esperança e outras nem tanto, mas sem nunca pensar em desistir! Rumo à cura!