Medos Maternos
A maternidade traz consigo alguns
medos que quase ninguém tem coragem de verbalizar. Medos secretos. Guardados
nos cantos mais escuros do nosso coração. Eu experimentei vários deles e vou
contar aqui! Vou contar porque se eu soubesse que outras mães sentiam também,
talvez eu não tivesse sofrido tanto.
Tive meu primeiro filho solteira,
aos vinte anos, cursando o 4º semestre de Direito. Primeiro medo foi o do próprio
exame. E se desse positivo? Deu. Engraçado que no dia fui tomar sorvete com o
Tito, um grande amigo, e falei pra ele assim:
- Se eu adivinhar o peso, é
porque vai dar positivo. E advinha? Acertei! Gelei! Cacete! E agora?
Aí veio medo de contar para os
meus pais, da família, dos julgamentos, de não conseguir criar, de não
conseguir sustentar, de como faria para estudar e de tudo que estava por vir. Eu
tinha uma necessidade de dizer sempre, quase que como um mantra, que ainda
namorava o pai dele e que ele era muito presente, e de fato era e ainda é.
Ah! E tinha até o medo do parto,
que melhorou um pouco o dia que a Tia Carmelita falou pra mim assim:
- Filha, tá aí, vai ter que sair,
paciência!
Parei de ter medo do inevitável.
Viu como verbalizar pode ser a solução?
Na 37ª semana, a ecografia detectou
uma redução no líquido amniótico, tive uma equivocada indicação para cesárea. Mais
um medo. Ele nasceu muito bem. Era uma noite de sábado, a equipe falava da
novela O Rei do Gado, tão absurdo. Um momento tão ímpar na minha vida e na vida
dele e nenhum respeito, nenhuma conexão emocional. Mas mesmo assim foi uma
emoção incrível ouvir seu choro, realmente indescritível. Eu falei com ele
encostado no meu rosto, quentinho... ele parou de chorar e ficamos ali
juntinhos.
Outra coisa que mãe nenhuma fala,
achei ele feio. Estranho. Ele estava ali na minha barriga me fazendo companhia
por quase 9 meses, mas seu rosto não me era familiar, ele era um estranho. Pensei
logo, meu Deus, sou a única mãe no mundo que acha seu filho feio! Mas não, eu
não sou a única a pensar isso.
Tudo correu bem até a alta
hospitalar. Aos doze dias de nascido, ele foi diagnosticado com meningite
neonatal. Medo da morte, da sequela, do hospital. Graças a Deus, ele ficou
muito bem. Mas sofri mais uma vez com a desumanizada medicina. Primeiro, foi
uma peregrinação por hospitais até vir o diagnóstico correto que, diga-se de
passagem, foi dado por telefone pelo pediatra que até hoje nos atende, e depois
ficar por 15 dias em um hospital ouvindo grosserias de médicos.
A segunda gravidez veio 11 anos
depois, dessa vez planejada. Já no resultado um medo: será que eu seria capaz
de amá-la como eu amava o Bruno? Passei os nove meses sofrendo com isso. Será
que nenhuma mãe de mais de um filho não podia ter me dito isso? Poxa vida!
A gravidez foi difícil, tive
sangramentos e dores, foram quase os nove meses de repouso. Medo de perde-la,
de ter algum problema de saúde...
Nasceu. Imediatamente, ao ouvir
seu choro tive certeza que uma mãe tem a plena capacidade de amar em igual
intensidade quantos filhos tiver. Dessa vez não estranhei tanto o rosto dela,
eu já sabia que seria uma cara inédita e me preparei pra isso, mas também a
achei feia!
Ao contrário do que foi com o
Bruno, a amamentação nos primeiros dias foi difícil. Achava que já sabia tudo e
a pega errada feriu minha mama. Medo de não amamentar. Pânico. Meu marido
sugeriu tirar o leite e darmos em um copinho. Para mim uma ofensa! Eu daria
conta! Ele a colocava no meu peito enquanto minha irmã segurava minhas costas.
Quanta dor! Até a primeira consulta com o pediatra e ele corrigir a pega, que
alívio! O mesmo santo do diagnóstico do Bruno.
Seis anos mais tarde, já tinha
desistido do terceiro, durante uma negociação para a compra da nossa casa,
desconfiei da gravidez. Tonturas e enjoos bem familiares apareceram. Escondi
por dois dias do marido, achei que influenciaria nas tratativas da casa, já que
a que morávamos não nos caberia mais. Quando ele me ligou avisando que iríamos
ao cartório assinar a escritura contei: acho que estou grávida. Era véspera do
aniversário de 16 anos do meu mais velho.
Os medos agora eram outros: medo
de ter filho aos 37 anos, da reação da Maria Elisa, da saúde do bebê. Esse foi
o principal ponto! Cresci ouvindo dizer que ser mãe depois dos 35 era um
perigo! Ouvi tanto, mas tanto, que fiz uma jura de nunca ter filho depois dos
35! Aí vem Deus e mostra que quem manda é Ele!
Cuidei da alimentação, evitei
fadigas e até de dirigir! Queria o sonhado parto natural, mas o sistema me
venceu. Ele nasceu numa segunda-feira, havia algo em torno de 15 dias sem
dormir com contrações ritmadas, nenhuma dilatação. Não tive medo da cirurgia.
Ele nasceu e tomada pelo medo não o ouvi chorar. Vendo o filme depois vi que
ele chorou sim! Acho até graça quando lembro disso! Como assim não ouvi aquele
choro tão claro? Fui tomada de terror, pedia a Elias que ficasse com ele,
vigiasse, acompanhasse. Tudo bobagem! Ele nasceu ótimo e enorme.
Ainda no centro cirúrgico, a
primeira tentativa de impedir a amamentação. Exigiram meus exames de HIV para
me entregar o bebê para mamar. Ora! Tivessem pedido antes da cirurgia!
Esperamos por 3 horas no hospital antes de irmos pro centro cirúrgico! Ainda
bem que tínhamos todos conosco e ele mamou ainda na primeira hora. Já no
quarto, a pediatra no plantão me avisa ter prescrito uma fórmula infantil
porque ele era muito grande e precisaria de complemento. Já avisei logo de
forma incisiva e definitiva que não via necessidade e que não daria. Fui
inclusive ameaçada de não ter alta, o que nada que um aviso sutil que sou
advogada não tenha resolvido.
As crianças foram conhecê-lo no
hospital. Foi tudo perfeito e emocionante! Nunca vou esquecer pela primeira vez
os três reunidos. Mas essa calmaria me trazia medo. Como poderia tudo ir tão
bem? Com os outros dois eu tive questões importantes na gravidez e nos
primeiros dias com Samuel tudo era calmo. O medo só aumentava. Uma dose de
insegurança e paranoia mesmo e até mesmo culpa! Ninguém teria uma vida tão
perfeita! Casa nova, filhos felizes e saudáveis, emprego razoável, saúde em
dia... bobagem! Todos merecem essa janela de felicidade na vida.
Olhando de longe, vejo que
aprendi que todos precisam de uma fase de vida de comercial de margarina e que
tudo bem ter medo. Todo mundo tem, só que a maioria não conta nem pro espelho,
a culpa e o medo não deixam.
Aos três meses do Samuel veio o
diagnóstico de alergia alimentar múltipla: leite de vaca, soja e ovo. Medo.
Muito medo. Meses de dieta para seguir a amamentação e aos 17 meses do Samuel a
alergista sugeriu iniciarmos os testes de reintrodução. O medo foi tanto que
tive quase 30 dias de diarreia, tive de tratar com probiótico. Quatro meses
depois a confirmação de que ele havia adquirido a tolerância oral pra ingestão
do leite de vaca.
E os medos seguem. Uns acabam,
outros são substituídos. Cada fase tem seu medo, seu risco. Medo de não ir bem
na escola, medo de que eles não sejam aceitos e respeitados, medo da violência,
medo da vida. A maternidade é assim, repleta de inseguranças e medos. O medo é
normal, não nos torna mães piores. Falar sobre isso nos ajuda, faz ver que não
estamos sozinhas e que muitos desses medos são bobagens, são exatamente como
aquela sombra no quarto escuro que quando acendemos a luz temos o alívio de ver
que não é um fantasma, mas é só um vestido fora do lugar.
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