Férias- Parte II
Em Paraty
Os 563km que separam Jaú e Paraty
foram muito tranquilos. A Serra do Mar entre Taubaté e Ubatuba encanta,
especialmente a nós brasilienses acostumados que somos com as retas e planos. A
estrada é realmente linda!
Passando por Ubatuba é possível
ver o mar. Como diz o Nemo: o mar, imenso e azul. Como sou uma boa menina, os golfinhos
apareceram pra nos saudar! Lá de cima os vimos pulando. Não dava pra ser
diferente, gritei! Ainda bem que todos estavam acordados e depois do meu escândalo
puderam ver os bichos também. Fantástico!
Logo na entrada de Paraty uma
marina com lanchas e iates muito bonitos, já dava pra ver o mar. Um pedaço do
mar com cara de rio. Nada demais para quem conhece as praias do Nordeste. Seguimos
para a Pousada Magnus. Pousada simples, mas com atendimento e localização
excelentes. Aqui abro um parêntese, a localização da pousada possibilitou que
ficássemos cinco dias sem carro, o que aliás recomendo muito.
Em Brasília não se caminha.
Coisas simples e rotineiras dependem das rodas. Padaria, almoço no trabalho,
banca de revista, missa... mesmo quem
não precisa, vai de carro. Vai porque foi condicionado a isso: ir de carro. Não
há o hábito da caminhada. Aqui somos reféns das rodas. Talvez pelo medo da violência
urbana que a grande mídia divulga o tempo inteiro ou quiçá pelo “status” de
desfilar com um carrão pela cidade. Transporte público por aqui? Um fiasco! Nem
merece fazer parte da pauta, destoaria da alegria do texto.
O fato é que sempre que vejo um
filme onde as pessoas vão aos restaurantes, trabalho, cinema, padaria a pé
sinto grande inveja. Sempre que viajo e posso, caminho, sigo a pé e lembro de
Luiz Gonzaga cantando... ”artomover lá nem se sabe se é home ou se é muié”...
Voltemos à Paraty.
Pois bem, além da ótima localização
da pousada, as ruas da parte antiga de Paraty são todas de pedra e em forma de
canal, andar é o único jeito. Não transitam carros e até a pé requer atenção. Andar mexendo no celular em Paraty devia ser
esporte olímpico!
Chegamos do meio pro final da
tarde e fomos procurar onde comer. A cidade estava relativamente vazia, mas a
aura da Flip já pairava por ali. A arte estava na rua. Tinham índios, músicos,
poetas, escritores, atores todos fazendo sua arte ali mesmo, nas esquinas,
praças e rua. Pessoas livres para serem aquilo que acreditam que devem e querem
ser, sem preocupações profundas ou análises críticas que são verdadeiras pedras
de tropeço na nossa vida. Gente de todo tipo. Tão loucos quanto sãos.
Na praça da Matriz é montada a Tenda
da Flipinha, onde eventos voltados para a criança acontecem e onde ficam as
lindas árvores de livros. Os eventos não se limitam a esses lugares, nas
livrarias, capelas, casas e restaurantes acontecem eventos todo o tempo. Há também
espaços montados pela Folha de São Paulo, pelo Sesc e pela própria organização
da Flip.
É fascinante andar pela rua e ver
as pessoas falando sobre cultura, ouvindo e falando poesias, escritores vendendo
seus próprios livros numa coragem assustadora. A todos que pude parabenizei e
me arrependo de não ter comprado todos, só pela disposição do cara em sair do
óbvio e ir à luta.
Óbvio, que por estarmos com
Samuel e Maria Elisa participamos dos eventos bem de leve, revezando entre eu e
Elias e indo muito mais aos infantis também. Já o Bruno que nunca havia
acordado cedo espontaneamente em viagens, participou intensamente de tudo que o
interessava. Tinha dia que perdia até o café da manhã da pousada. Mas realmente
os debates valiam à pena. Muito leves e acessíveis, ao mesmo tempo profundos e
atuais.
Na Tenda da Flipinha vimos vários
espetáculos muito interessantes, como a peça Felinda da Carroça de Mamulengos,
um grupo com a formação basicamente familiar e fascinante. No domingo,
participamos de uma ciranda na praça com eles também. Na mesma tenda vimos
rodas de capoeira, contação de histórias com Tino Freitas e também de uma
escola local contando uma história indígena.
Na Espaço Sesc vimos uma
exposição de fotos e todos os dias Maria queria ir ver a contação de histórias
folclóricas. Momento pobrice: lá tinha um café bem bacana com tudo livre.
Um evento em específico merece
destaque: um recital de poesia com a Elisa Lucinda e o poeta inglês Lemn Sissay
na Capelinha. Elias ficou com Samuel, entramos eu, BH e Maria. Eles recitaram
separadamente e por fim dividiram uma poesia. Foi incrível! O lugar lindo,
pessoas concentradas no evento e eu não entendendo nem metade do que ele
falava. Meu Deus! Meu inglês enferrujou! Até que ele diz que mesmo quem fala inglês
como sua primeira língua não entende tudo que ele fala! Ufa!!! Todos riram. Por
certo, ele não falava só de sua dicção, mas também de sua mensagem. A Elisa,
ah, Elisa! Genial com sua brasilidade, sua verdade, sua firmeza, seu humor! Até
Maria Elisa se emocionou. Foi perfeito. Saímos extasiados.
Lanchei com as crianças numa
tapiocaria ao lado da pousada, o dono sempre mexia com as crianças quando
passávamos. Os meninos quiseram suco de manga, o cara pegou a manga da
fruteira, lavou e fez o suco! Que delícia!
Depois do lanche, fomos pro
quarto que num passe de mágica virou um mar revolto e o beliche um navio pirata
com rede e tudo! Aviões, espadas, chapéus e navios foram construídos com uma
revista repetida que recolhi pela cidade para trazer pro papai. O mais legal
que absolutamente sem querer, o chapéu da Maria teve como destaque o título:
Revolução Francesa. Foi muito divertido!
Domingo dia de despedida, a
cidade já esvaziada, Bruno caiu da cama
mais uma vez, Elias foi arrumar o carro e eu fui pra praça com as
crianças. A cada rua uma peça, uma poesia e nós ali absortos com tantos
encantos. Chegando na praça, como diria papai, taquei o rabo no chão tão tacado
que rasguei a calça jeans na altura dos dois joelhos! Doeu! Maria logo pediu
pra fazer a reza que sempre quero fazer quando ela cai, tradição familiar dos
Freitas ensinada de geração pra geração:
"Carne quebrada, Osso rangido, Raposa velha do cú frangido! "
Passado o susto fomos pra roda!
Que maravilha a cultura popular brasileira! Com joelhos doendo, fomos dar a
última volta na cidade e entramos na Livraria das Marés, não olhei preços, mas
a livraria vale a visita. Nos fundos tem um café adorável! Eu gostaria de uma
assim por aqui...
E, à essa altura, não posso me
omitir, um evento de elite. Um evento onde brancos ricos e estudados transitam
pra todo lado arrotando seu português bem divido. Poucos são os negros do lado
de fora dos balcões, poucos estudantes, excetos algumas excursões de escolas
locais, poucos ambientes com a palavra franqueada democraticamente. Um ponto a se melhorar. E aqui um salve às
cotas raciais!
Mas chegou a hora de seguir
viagem, a Flip acabara e já não erámos os mesmos. Uma viagem como essa muda
toda sua forma de pensar a diversão, as férias. As malas cheias de livros de
escritores que antes nunca me interessei, cheia de inspiração, cheia de exemplos
dos bravos artistas de rua e por tudo aprendido e vivido por aquelas ruas de
pedra. A questão é que pra julho do ano pensava em outra viagem, outro sonho,
mas de fato a vontade de voltar pra Paraty é impressionante!
Seguimos pra Ubatuba, certos de que "é Deus que nos faz entender toda poesia!" mas isso é assunto pro próximo post!
Seguimos pra Ubatuba, certos de que "é Deus que nos faz entender toda poesia!" mas isso é assunto pro próximo post!
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